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Quando meu primeiro filho nasceu, nos meus 30 anos, eu tive duas certezas: que aquela jornada não teria mais fim e que quando ele chegasse à minha idade, eu teria a idade do meu pai. Pensei que a partir daí, entraria em velocidade de cruzeiro (quando o avião atinge sua altura máxima e segue viagem em velocidade constante até o momento da aterrisagem), mas não poderia estar mais enganada.
Passar a fronteira dos 40 anos me ensina que a vida é o conjunto e o entrelaçamento de histórias, muitas delas. Um caminho de sabores e dissabores. Dentro dos meus privilégios culturais e sociais, vivo a dor e a delícia de ser quem sou.
A Calmaria Bordados surge de todas essas vivências, como uma (re) descoberta de mim mesma, passando por diversos clichês, desde o clássico "minha mãe vivia rodeada de agulhas de todos os tipos e executava pequenos reparos em roupas", passando pelo "meus pais não tinham nenhuma pretensão de que a filha levasse as manualidades como uma espécie de tradição familiar", somado ao "a pandemia me levou para as manualidades para conseguir sobreviver às restrições impostas pelo isolamento".
Quem não se identifica com pelo menos uma dessas aspas, que atire a primeira pedra.
Ao mesmo tempo, cada trajetória é única, não é mesmo?
Na adolescência, mergulhei no gosto pelos estudos, pela leitura e pela escrita. E, nessa busca por palavras para explicar, registrar, assimilar e "experienciar" o mundo à minha volta, também fui questionando, pouco a pouco, as tais “tradições”. Se não estava nos planos de minha mãe e meu pai ter uma filha mergulhada nas manualidades, ou uma filha artista, mas sim com uma carreira profissional muito bem esquadrinhada, também não estava nos planos da filha vender a própria força de trabalho até que não restassem mais forças para usufruir da (in)justa remuneração pelos serviços prestados.
Por isso, adulta, saí em busca de um refúgio das obrigações cotidianas, laborais e de cuidado. Em busca da calmaria em meio à tempestade que é a vida adulta. Resgatei o contato com meu próprio corpo, veículo da existência, ansiando por colocá-lo em equilíbrio com a mente. Aos poucos venho me dando conta que tudo o que imaginamos, sonhamos e desejamos só é alcançável se essas duas dimensões fluírem em equilibrio. Foi assim que começaram seguidos mergulhos nos meus campos lúdicos e de autoexpressão - presentes desde a infância - , para resgatar e ressiginificar minha própria história.
Hoje me considero uma bordadeira experimental e fotógrafa amadora. Vivo de registrar de forma manual e artística histórias, afetos e visões de mundo. Entender a mim mesma como "experimental" e "amadora" me coloca numa posição de busca constante, de recusa em me acomodar nos saberes já adquiridos. Ser experimental é poder executar a mesma técnica de diversas formas e ser amadora é viver cada dia como se fosse o primeiro.